Violência psicológica dos "louvores"
O texto critica a influência crescente dos grupos evangélicos neopentecostais no Brasil, associando-os ao extremismo político e à intolerância religiosa, incentivando a resistência mais libertária
9/8/20247 min read
Não temerei em falar desse assunto, até porque não estou sendo o primeiro a trazer essa questão um tanto quanto complicada, que se trata da violência praticada pelos evengélicos neopentecostais. Um projeto de poder já bem analisado por aqueles que pesquisam sobre as atuações desses grupos fundamentalistas, que são covardes. Tentam agir de forma sorrateira - e para alguns, de fato, passa desapercebido - só que as suas imposições estão mais do que escrachadas: é um recado "muito bem dado" dessa narrativa-intolerante a tudo que é diverso. Confesso que toda vez que vou escrever sobre um tema "difícil" como este busco ser o mais cuidadoso possível e fazer da comunicação um elo cristalino entre a mensagem que vós escreve e aquele que lê. Portanto, a minha gentileza nesse sentido permite dizer que essa turma da "bíblia" não tem respeito algum para com a liberdade de escolha de qualquer pessoa. É gente que se alia com a extrema-direita, se torna uma sentinela do extremismo reacionário. É gente da pior espécie. Só você prestar atenção em um. Vai dizer que você não tem um vizinho evangélico? Nem quero dizer que todo mundo que abre uma bíblia, abra com a intenção de matar alguém, como essa turma que é manipulada por pastores; sei que tem "irmãos" que se esforçam para caminhar pelo campo mais à esquerda - discordemos ou não de suas pautas, mas ao menos não defende o aniquilamento do diferente.
Fique tranquilo, amigo leitor e amiga leitora, estou com o meu incenso aceso, tomando um café (sem açúcar) e recebendo um ventinho no rosto. Estou aqui de peito aberto para falar um pouco de liberdade, por uma ótica anarquista, para além das alianças que militantes da esquerda institucionais acenam com esses grupos. A honestidade me chama: vocês estão no jogo da democracia burguesa, precisam dessa corrupção burocrática para firmarem as suas permanências no "salão nobre" do Congresso. Sugiro que você que está lendo este artigo, procure na internet sobre "projeto de poder das igrejas neopentecostais" e verá o tanto de materiais disponíveis para melhor compreender o tamanho da encrenca em que estamos. Muitos de vocês já sabem disso, é só a gente olhar para o número de pastores eleitos compondo a bancada da bíblia no Congresso. Ora, isso até se mistura com a bancada do "Boi" e da "Bala", eita, será que não é tudo a mesma coisa? Um é o outro, o outro é o um?
Nos morros cariocas, em muitos deles, estão proíbidos as práticas de rituais de matriz africana. A Igreja instalada na comunidade está de "mãos dadas" com o tráfico de drogas. Os membros dessas igrejas acreditam que só o "Deus" deles é o que está certo. Olha, eu na época que fotografava, certa vez fiz umas fotos de um casamento (de um conhecido) numa dessas igrejas, e no olho de cada um estava estampado o ódio, a frustração, a hipnose, da qual muitas dessas pessoas se encontram. O antropólogo Orlando Calheiros expõe uma observação interessante a respeito do perfil da extrema-direita aqui no Brasil, mais precisamente nesse recorte de um tempo pra cá, e o mesmo afirma que esta corrente social e política não é homogênea, que existem seus pontos híbridos - que se articulam com forças semelhantes, resultando a bancada "BBB" (Boi, Bala, Bíblia). Se você colocar em um canal desses do parlamento, certamente vai ver um deputado com uma bíblia na mão falando em "defesa da família" e sobre eliminar aquele que "faz o mal". Discurso esse que muito se assemelha com aquele utilizado por Hitler na Alemanha nazista (na primeira parte do séc. XX). Mentira repetida várias vezes para se tornar uma verdade absoluta - em nome de um "Deus", o deles. O holocausto torturou e assassinou todos aqueles que de uma forma ou de outra não fazia parte do perfil que agradasse aos nazistas, que era pensar minimamente diferente, do ponto de vista religioso, social e ideológico. O nazismo e o fascismo surgem desse fenômeno tacanho da classe média - os ressentidos, os frustrados, os escassos - que se rebelam contra um "inimigo" fantasma. Essa turma começa a reproduzir um discurso de "puro suco de fascismo" que opera em vários espaços da sociedade, como mapeando as comunidades ditas periféricas como lojas e supermercados, sobretudo os frequentados pela massa.
São em lojas de frutas, nas farmácias, em supermecados, que vai ter um louvor tocando no alto-falante dos respectivos estabelecimentos. Falam tanto de "liberdade de expressão" mas será que se uma "Mãe de Santo" for toda de branco para algum desses espaços, será respeitada? Mas a violência sonora da música pregando princípios e valores, temos que escutar? E a cabeça, o psicológico, que ficam recebendo estas vibrações que adentram em nosso inconsciente enquanto outra pequena parte da consciência faz cálculo das compras. Já não bastasse o poder de compra reduzido e toda as vontades políticas e capitalistas pesando em nossas vidas cotidianas, o corpo ainda tem que lidar com esse terror psicológico dos louvores? Na farmácia e em qualquer estabelecimento, que a massa frequenta, a caixa de som está lá com música de gente gritando e pregando o "amor" e a "compaixão".
Esse meu texto não se trata de uma briga pessoal pelo fato de eu cultuar a minha espiritualidade, muito com os axés da matriz africana, tá?! Essa é uma observação de um corpo que conheceu o anarquismo, que aprendeu que a liberdade é a melhor bomba de oxigênio para que a dignidade humana, sobretudo dos mais "vulneráveis", sejam respeitadas. Nem mesmo acho que tenha que ter um "ponto de macumba" (música para um guia espiritual) tocando em lugares públicos (não importa se da rede privada ou não). É assustador que muita gente que não compactua com essas imposições do campo evangélico, ficam quietos e com medo. Não será uma ação individual que irá enfrentar esse projeto de poder. Não basta uma só pessoa ir até o gerente do estabelecimento questionar o "louvor" de rádio. Essa turma está muito "segura de si". Tem policiais e milicianos frenquentados os cultos dessas igrejas.
Creio que esta situação colocada aqui seja de suma importância para que nós anarquistas, simpatizantes, estejamos atentos, pois quando se trata de um projeto de poder, assim como a colonização nos demonstrou, os alvos serão apontados e perseguidos para que o apagamento simbólico dos diferentes, seja concluído em sua totalidade. Nada me interessa buscar referência na Europa, necessariamente. Precisamos compreender o nosso contexto de fundação desse Estado-Nação que se diz laico (no papel) mas que na prática flerta com a teocracia a todo instante. E sempre que a estrutura vigente entra em colapso, essa turma da "bala", do "boi" e da "bíblia", se juntam para encontrar um "culpado".
Gilles Deleuze é bem categórico quando diz que as "imagens" e os "pensamentos" são aspectos de profunda persuasão que operam em diversos planos nos quais sejam possíveis introduzir uma ideia, uma narrativa. Não posso aceitar um mundo que diz que "liberdade de expressão" significa o dono de um supermercado colocar um "louvor" na rádio. As bandas que produzem músicas para esse tipo de prática religiosa, se apropria das sonoras do rock, do samba, do forró, de qualquer outro gênero musical de massa, para que a narrativa neopentecostal invada a sua psique e fique armazenada em seu inconsciente. Temos que aceitar esse projeto que toma conta do parlamento, dos bairros e até de lojas comerciais? Com todo respeito, isso é uma lavagem cerebral que hipnotiza muitas pessoas que frequentam essas igrejas. E mais do que isso, também força os diversos corpos mais atentos, a normalizarem as práticas dessa turma onde eles bem entenderem.
Que possamos nos alimentar dos escritos-ensinamentos de Deleuze, como também das gingas e ensinamentos sofisticados da capoeira, para além do jogo-luta em si, mas para encararmos como uma metáfora potente, que será apropriada aplicar em nossa realidade.
Quem está fomentando a política de governo de um partido de centro-esquerda, é o chamado "centrão" que pauta as principais agendas do Executivo e do Congresso. As leis trabalhistas, os direitos e reivindicações da classe trabalhadora, tem obstáculos naquele ambiente institucional que impacta na vida diária dos trabalhadores. O tirano, uma energia autoritária, aquele que almeja o poder, é um sujeito que pensa que consegue fazer as suas sandices sem deixar suspeitas. O projeto neoliberal (do acúmulo exarcebado aos ricos e precarização dos direitos trabalhistas) é convidativo ao projeto neopentecostal, que também acumula dinheiro e visa o poder (o parlamento), e como se dá isso? Utilizando técnicas de persuasão, de hipnoze, para atrair o maior número de crentes e formar assim um bloco político considerável. É evidente que há uma série de fatores que também contribuem para a ascensão desses grupos religiosos fundamentalistas, sedentos por poder.
Na cidade em que estou morando esse cenário é assustadoramente irreversível. Ainda não compreendo tal conjuntura daqui, mas algumas observações já me apontam um caminho nada animador. É sintomático demais que ainda aquilo que fora (e ainda é) uma tática do colonizador, em atacar a capacidade e os saberes de imaginação dos povos originários e da diáspora africana, ainda pipocam em ambientes teoricamente "de família", de "tranquilidade", sem que as pessoas não deem a devida atenção para isso.
Proteja a sua caixa preta que habita em seu corpo, companheiros anarquistas. Que os nossos corpos possam ser estrangeiros de si mesmos. Que as práticas-alquimistas encontrem a coragem e a comunicação entre os nossos para não cansarmos de lutar. A minha poção de magia-escrita surge por um corpo que aprendeu a ficar à espreita. Que o devir seja uma semente para além de uma autoafirmação da estética. Eu sinto o aroma que você exala meu amigo e minha amiga. Sim, você, como eu, assim como os semelhantes, não aguentamos mais essa imposição religiosa, econômica e política, que tanto devasta as nossas liberdades subjetivas.
Escrevo com objetividade. Em algo temos que pensar, debater, para encontrarmos o caminho da ação em conjunto para (re) inventarmos os espaços que queremos.
Saudações libertárias
Gabriel Ribeiro
À Margem
Liberdade
Reflexões anarquistas sobre a sociedade descentralizada.
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