Uma sopa de dendê e um meio para derrubar o colono

Texto: Uma sopa de dendê e um meio para derrubar o colono. Faço uma crítica à especulação imobiliária e ao neoliberalismo em uma cidade nordestina, destacando a riqueza cultural local ameaçada pela chegada de uma classe média "sulista" e neopentecostal. Ao caminhar pelas ruas, observo a beleza dos coqueiros e a música típica, contrastando com a violência e a destruição ambiental. Utilizo a metáfora do azeite de dendê para simbolizar a vitalidade e a urgência de ações que preservem a vida na Terra, reforçando que a luta contra o capitalismo é responsabilidade de todos, não apenas dos povos originários.

Gabriel Ribeiro

9/29/20244 min read

Estou a caminhar pelas ruas de uma cidade do nordeste. Vejo muito mais do que coqueiros. Há de se reconhecer que essas árvores são exuberantes. Dela bebe-se a água natural, que nos conecta com a energia divina – se o bebedor quiser – logo, sem a mediação de um padre ou pastor. Os coqueiros pelos quais vos falo, pode servir também de suporte para estender uma rede supensa entre os dos pés de coqueiro. A sombra é natural, ela só existe porque tem a luz do sol. Isso nenhum “feitor” colonizador há de se apropriar. Quando estou a caminhar por algumas ruas de um bairro considerado operário, ou seja, um bairro tradicional “das antigas”, vejo que ainda se preserva uma paisagem respirável, sem aqueles “arranha céu” dos bairros mais ricos da cidade. Vejo também algumas de suas culturas, como aqui na Parayba, terra de Chico César, Ariano Suassuna e dos Potiguaras, que lutaram contra os portugueses.

Estou a percorrer por uma cidade que está sofrendo uma imposição das empreiteras e do capital. As culturas típicas estão “perdendo espaço” para a pretensa ditadura neopentecostal. Tem supermercado que coloca as bandeirinhas de São João (festa típica da Parayba), mas o som que toca no estabelecimento é sobre cultos e algo do tipo. Não sou daqui, vim morar em busca de paz, fugi das hostilidades do lugar que estava, no sudeste. As ruas nos contam tudo, Sua linguagem é didática e “não dita”. A construção dos prédios altos, as arquiteturas desses empreendimentos vão falando e avisando como a população deve se comportar.

Na avenida mais famosa da cidade tem um espaço (enorme) neopentecostal que representa o discurso que se pretende hegemônico. Ando por essa avenida, vejo lojas e mais lojas, carros importados, um cenário que mais vai parecendo a avenida paulista em São Paulo. Os mercados populares vão tentando resistir à essa lógica dos “hortifrutis” da vida, aliás, que “vida” eles são a favor? Caminhando por uma das redes de supermercado, já quase tarde da noite, depois de um dia cansado, como todo trabalhador sofre, um raro momento: a música no ambiente tocava xote, forró, aquela magia sonora da região. Faz quem está no recinto se conectar ou pelo menos, sentir que há uma cultura local rica e diversificada.

A violência termina no corpo preto estendido no estacionamento de algum estabelecimento que se achou no direito de tirar a vida desse corpo porque o mesmo só queria comer e não tinha dinheiro para isso. Uma cidade recheada com o cheiro da carabina, com o neopentecostalismo em ascensão. Uma classe média que vem chegando do sul e do sudeste para poder morar perto da praia e poder morar numa cidade cujo o custo de vida é mais barato do que aquela que ela estava acostumada anteriormente. As ruas, o povo de rua, e alguns camaradas, através de seus respectivos relatos, me faz afirmar: se depender dessa classe média “sulista”, eles refundam essa região só com gaúchos, paulistas, brasilienses, paranaenses e cariocas.

Estão o tempo todo querendo aniquilar as riquezas subjetivas de uma cultura índegena, afrobrasileira e quilombola. Os ventos com suas belezas que refrescam o rosto de um latinoamericano, logo, são interrompidos pelas fumaças tóxicas das indústrias e automóveis. A britadeira das construtoras racham o solo para subir ali um modo de vida tacanho que interfere no restante da cidade, pois se trata da especulação imobiliária, que tem o Estado seu principal parceiro – que não está preocupado em “governar para seu povo”. O capital vai invadindo e povoando tudo o que ele bem entender. Ele quer que os resistentes aceitem que o capital “pode tudo”, porque essa premissa das moedas, é venerada e propagada por boa parte da sociedade.

É evidente que tem muita luta na Parahyba cujo os espaços de resistência estão cumprindo os seus respectivos papéis em afirmar as suas culturas e modos de vida. O centro da cidade ainda tenta preservar alguns pontos históricos e culturais. Mas a especulação imobiliária vai transformando a cidade para que ela possa ganhar aspectos “modernos” e ser um espaço para a circulação de mercadorias e de pessoas para os seus locais de trabalho.

Os que ainda tentam resistir a este projeto excludente, não estão sendo o suficiente para segurar essa onda contaminada que invade as áreas e modifica o solo, o cenário, de acordo com os interesses dos capitalistas e de uma classe média cafona. É preciso que tod(e)s nós que almejamos reivindicar algo para emperrar a ascensão violenta do acúmulo de capitais em detrimento de nossas vidas, olhar com carinho e atenção o quanto que esta conjuntura neoliberal é uma ameaça para a vida do planeta terra e o quão, evidentemente, isto prejudica os avanços das lutas sociais.

Concluo este artigo sugerindo uma metáfora-espiritual, no qual cito o azeite de dendê, um ingrediente importante para as culturas de matriz africana, para que através desse símbolo-vegetal, possamos esquentar os nossos anseios por um mundo onde o capital não seja “toda hora” soberano às diversas vidas – tanto as humanas quanto as de outras espécies, tão importantes quanto às nossas. O dendê para a matriz africana representa “vitalidade” e “movimento”. Portanto não dá para pensar primeiro nas questões de “progresso” que as esquerdas partidárias tanto alegam para que consigam se manter no poder. É urgente que se pense ações que de fato irão “salvar” a vida da Mãe Terra. Sem vida, como iremos lutar por melhorias e contra as mazelas capitalistas e do Estado-Nação?

O projeto neoliberal é o de aniquilar o maior número de pessoas possível, pois se sabe que os recursos naturais são finitos e que uma hora, as cidades irão ficar cada vez mais saturadas. Se a população não começar a ter atitude e se articular entre si para frear esse projeto destruidor de vidas, a extrema-direita irá seguindo num ritmo preocupante. A conciliação de classe com setores da “burguesia” só agrava o cenário desolador em que estamos. Os companheiros e companheiras que estão na linha de frente dos conflitos em zonas rurais, principalmente, precisam da ajuda de pessoas que estão nos grandes centros. Essa luta contra o capitalismo não pode ficar somente a cargo dos povos originários, do quilombolas nem de camponeses.

O ar que respiramos é o mesmo que pede para que não se permita que o capital faça o que quiser com o meio ambiente.

Gabriel Ribeiro
À Margem