Resenha do livro "Anarquismo e Revolução Negra"

Resenha de "Anarquismo e Revolução Negra", onde Lorenzo Komboa defende a luta antirracista como essencial para derrubar o capitalismo e propõe autodefesa e autogestão negras.

Gabriel Ribeiro

9/8/20243 min read

Se alguém quer saber o significado e a importância do que se trata ser radical, Lorenzo Komboa Ervin, dispõe com argumentos robustos e científicos, o quão a radicalidade da luta do povo negro é algo indispensável para a busca plena da liberdade desses corpos que sofrem violência desde a expansão mercantil do homem branco europeu até os dias atuais.

Para Kamboa, o rompimento de toda a estrutura capitalista, só será possível se a luta antirracista for reconhecida como um meio intrinsecamente antagônico à lógica do capital.

O ex-pantera negra pontua com muita serenidade e objetividade que esse sistema dos meios de produção capitalista, só existe por conta de um racismo estrutural forjado para marginalizar sistematicamente os corpos negros e suas culturas. Creio que aqui, Fanon e Komboa dariam uma ótima parceria para denunciar a perversidade do branco europeu - que não concebeu respeitar os modos de vida dos africanos.

Lorenzo faz dura crítica não só aos partidos de esquerda como também a um tipo de "anarquismo branco" no qual ignora e despreza as diversas frentes da luta antirracista. Para Komboa, esta luta identitária engloba todas as questões que cristalizam as causas das desigualdades sociais. E quando Lorenzo tece as críticas ao campo "progressista", tanto do parlamento norte-americano, quanto a anarquistas da classe média, é pelo fato deles considerarem que os negros conquistaram seus espaços nos mais variados ambientes da sociedade. Justificam alegando que já tem negro ocupando cargo de juiz, de empresário, nas universidades estadunidenses, etc. - só que Komboa, evidentemente, comprova que estas pequenas constatações não são suficientes para que o racismo deixe de existir. O anarquista negro provoca, indagando: quem são as pessoas que estão em situação de rua, desempregados, em subemprego, morando em condições precárias, saúde precarizada e, sofrendo brutalmente nas mãos das forças policiais; a comunidade negra de bairros periféricos dos EUA.

Lorenzo está falando ali nos meados do séc. XX - e me parece que está falando dos dias de hoje, sobretudo aqui no Brasil. Na medida que a leitura vai se avançando, a radicalidade (legítima) com que Lorenzo Komboa oferece, desperta uma instigante vontade de pensar as suas propostas na prática. Komboa embora faça uma crítica contundente ao anarquismo branco ali dos EUA, ressalta o sofisticado legado deixado por Bakunin, Proudhon e Malatesta, dentre outros anarquistas negros norte-americanos. Por isso sua radicaidade vem acompanhada de bastante serenidade e aprofundamento.

Komboa não fala de forma emocionada. Busca expor minuciosamente as estratégias para que os bairros pobres, povoados por negros, possam buscar independência de gestão de vida. Quando o ex-pantera negra fala da autodefesa do negro, ele está pensando a questão com muita responsabilidade. Por beber das mesmas fontes (também) de Bakunin, Proudhon e Malatesta, o anarquista negro está levando em consideração as Comunas, Assembléias, reuniões, para que estas propostas possam ser debatidas e realizadas com muita horizontalidade e organização. Por exemplo, se nos bairros periféricos, o Estado não consegue preservar as vidas dos negros - inclusive mata-os - Komboa convoca toda a comunidade negra a pensar conjuntamente as questões de segurança. É importante salientar que Lorenzo em hipótese alguma está insinuando que se faça uma guerra contra a sociedade. Ele pontua essas Comunas e Assembléias, como sendo espaços para que os seus membros discutam planos, estratégias e ações. Lorenzo Komboa nesse livro "Aanarquismo e Revolução Negra vai além de propor a autodefesa dos negros que estão morrendo em seus bairros - ele está pensando amplamente todo esse contexto social. Explico: Komboa fala de enfrentar o tráfico de drogas e a milícia (a paramilitar e a de Estado), que se articulam para que os negros destruam as suas vidas por causa das drogas. Quem produz as drogas químicas ou sintéticas, são homens ricos dos grandes laboratórios - e quem vende pelas ruas é o povo negro, que será alvo da política antidrogas. O capitalismo gera esta bagunça e violência social.

Komboa sugere que os bairros com moradores negros se organizem para criar fundo econômico para que o mesmo subsidie alugueis, moradias, alimentação, geração de empregos e dignidade para aqueles semelhantes com necessidades.

Komboa traz na sua sagacidade argumentativa, um amor inegociável pela liberdade coletiva de um bairro, de qualquer grupo vulnerável. Sua noção de federação é interessante, pois fala de se preservar demandas locais e, de uma comunicação universal com outras regiões anarquistas e autônomas - perante o Estado ou de qualquer grupo oligarca.

Um livro que revigora as veias anarquistas do corpo. Uma narrativa que evidencia um anarquismo para além da europa, com suas características peculiares, sobretudo para o processo histórico que as Américas, do norte e do sul, passaram e ainda continuam passando - com muita violência aos corpos negros.

Viva o anarquismo negro!

Gabriel Ribeiro

À Margem