O amor por um coração anarquista
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9/28/20245 min read
Um orgão que pulsa constantemente em nossos corpos. Que não pode parar de receber sangue, este, da cor forte do vermelho. Uma cor vibrante. O mesmo sentimento que dá muita alegria, é o mesmo que gera muita tristeza, quando um amor se vai. O amor pode ser tudo e nada. Pode ser e não ser. Aqui vamos talvez temperar a nossa conversa com Max Stiner, pois o mesmo traz umas questões interessantes de nossa individualidade, aquilo que ele chama de “único”. É como se fosse cada um de nós um mundo, um universo. Um coração que sente muitas sensações, que dá aquele frio na barriga, é um orgão que existe para doar, se alegrar, para transformar, contagiar o próximo. Quem polui as águas vermelhas do coração são as fumaças tóxicas do mundo exterior a ele, que se pauta por imposições e proibições.
Quando surge um coração anarquista diante de uma sociedade extremamente autoritária e violenta, logo, esse orgão libertário requer disposição para amar e compreender os percalços desse contexto pra lá de hostil. Ele certamente contará com o apoio da razão, ambos se conectados sem medos, formam companheiros potentes. Um vai intuindo, o outro vai ponderando, quando o que pondera, pensa demais, o primeiro toma atitude e faz, porque a alma sabe primeiro que o corpo. Estar vivo, materialmente falando, é perceber que a nossa existência é uma grande alquimia. Juntamos poções diversas e referências intelectuais em nossa forma de se colocar no mundo. Encontrar o balanço entre o que vem de fora e o que sai de dentro é o que muitos chamam de equilíbrio. E aqui, não confundir em ser conciliador com qualquer tirano, mas de preservar as orbitas da psique humana, para que a conexão entre o que percebemos e o que nos afeta, possam fazer com que essa existência percorra o rio com mais assertividade.
Se navego nesse rio, construindo uma embarcação libertária, parto do princípio que o amor “próprio” é um ponto inicial para que a flor seja desabrochada. A região central de uma flor é fertilmente feminina, trazendo para a sua expansão, a leveza de um aroma extremamente agradável. É preciso que se cuide de sua flor interior, para que depois ela possa desabrochar, e se conectar com aquilo que a faça crescer e se embelezar. Quando toco nessa questão do “amor próprio”, sobretudo estou falando de uma concepção altamente autônoma e que visa essa conexão com o mundo. Aqui cabe dizer o cuidado para não entrar na esfera do “egoísmo”, no sentido ao qual Stiner cita em O Único e a Propriedade, aquele indivíduo que só está preocupado com os “ganhos pessoais”. Preservar a si mesmo, mergulhar em suas profundezas, significa uma forma de amor e zelo para com a humanidade. Pensar os arquétipos como espíritos que pipocam em nossa psique, a título de, gerar reflexões e deslocamentos de sentidos. Uma obra sofisticada de Carl Jung, que dialoga com Max Stiner.
Dentro dessa conecpção de um coração anarquista, seu pressuposto exala um elemento que considero muito importante, para que pensemos o mundo “neocapitalista” de hoje, que é a humildade, como uma riqueza e instrumento de luta que afirma um modo de vida para além das competições predatórias tão estímuladas diante de uma “sociedade de consumo” como a nossa. Para os eufóricos pelo empreendorismo, a tal “humildade” seria sinônimo de “fraqueza”. Pois uma pessoa tem que ser “forte” o bastante para “vencer” o outro, para ter mais do que esse outro. Só que essa inversão de valores não está só presente no senso comum, pelo contrário, é triste quando isso também se encontra no meio libertário. Sim, vai dizer que você não sabe quando alguém se dirige a você com pose de autoridade absoluta? Que vem te agradar para conseguir uma outra coisa em troca. Tem “libertário” fazendo o mesmo que um funcionário de uma grande empresa privada – que é capaz de fazer tudo por lucro – no caso do nosso campo sociopolítico, por prestígio e vaidade. Portanto, como confiar em algo dessa natureza? Apunhalada pelas costas é aquilo que se aprende aos montes pela sociedade capitalista.
Perceba, amiga leitora e amigo leitor, não se trata apenas de falar dentro de uma suposta “abstração”. Volto ao Stiner, quando o mesmo cita o “pensamento” como um espírito, como só sendo possível através desse aspecto espiritual ao qual estamos inseridos. Por isso, falar de sentimentos, sensações, daquilo que afeta a minha, a sua, dignidade, creio que seja um fator importante para acrescentar na vasta discussão que os anarquistas estão dispostos, para pensar um mundo com mais liberdade. Veja, quem já teve em um ambiente corporativo e se deparou com um patrão, sabe das violências sutis embutidas em seu comportamento. E aquele “burguês’ (de fato e de estilo de vida), que também tenta suavizar o seu poder para com o outro, através da posse de seu dinheiro. O mesmo ocorre quando algum libertário ou libertária disfarça uma “benevolência” para impor o seu modo de vida para outrem. Uma coisa é você descobrir uma experiência nova, gostar dela e sair falando por aí feliz da vida, isso faz parte da condição humana e de seu processo social. A questão aqui é quando essa “vontade” vem com sutilezas para maquiar uma imposição. Por exemplo, aos “não-monogâmicos”, não todos, é evidente, mas aos infantis, que parecem querer se autoafirmar para parecer o “diferentão” da turma. A esses, querer pautar o que é “amor-livre”, o que é “liberdade-relacional”, se utilizando ainda argumentos infantis de que toda monogamia, por exemplo, seja um tipo de “aprisionamento”, pode vir a ser uma forma de fanatismo tacanho. Cadê a liberdade de escolha do outro, que tanto os ecos bakunianos desfilam por aí?
Com todo respeito, é uma galera que leu Sem Tesão não há Solução, de Roberto Freire – um ótimo livro, diga-se de passagem – mas que se empolgou feito um adolescente entusiasmado com o início da vida adulta – com festas e tudo mais. A esse adolescente, todo apoio em manifestar os seus anseios e experiemtar tudo aquilo que lhe fizer sentido. Um coração anarquista, do qual originou esse texto, buscar procurar saber todas as formas de amor. Mas veja, partindo do princípio de uma sociedade capitalista, cheio das tiranias, do consumo desenfreado, das relações efêmeras, feito água que escorre pelas mãos (por Zygmunt Bauman), onde o descarte é um das tônicas dessa nossa contemporaneidade, minar um elo amoroso, entre duas pessoas, de um pequeno grupo, ou de qualquer outra forma de amor, é de uma falta de responsabilidade e de amor para com a humanidade. A troca de intimidade, o aprofundamento de qualquer relação pode ser revolucionário. É um lugar-espaço onde talvez nenhum sistema mega elaborado consiga invadir.
Sei que muitos “não-monogâmicos” estarão lendo este artigo. A minha crítica não vale para todos, pois há quem compreende o processo e o ritmo do outro. Mas tem aqueles que se escondem na tal perspetiva, para não olhar algum tipo de insegurança ou medo de falar de si para o outro. Na verdade, falo para todos aqueles não-monogâmicos e monogâmicos, que só querem o bônus de falar “bem de si”, sem deixar que o outro perceba as suas fraquezas e sombras. Certa vez uma cigana libertária me disse algo que parece clichê mas que cabe uma reflexão extensa sobre, que é a seguinte “ninguém quer ver o outro feliz”.
A anarquia não pode ser o pretexto para isentar de crítica qualquer anarquista que seja. O mundo está cheio de massacres, de miséria, de genocídios. Muitos assunstos complexos e de extrema importância para se a ter. Mas como um coração anarquista que pensa em construir uma relação mais íntegra com o seu entorno, deixará de olhar a questão do respeito, do proceder?
Ouso a dizer que esse singelo manifesto seja um alerta ao “fogo amigo”. A raposa nunca se apresenta com a caçadora. Ser sensível, romântico, honesto consigo mesmo, amar o outro, querer viver junto com ele/ela, cultivar a terra dessa relação, de seu íntimo, pode ser tão sofisticado e revolucionário como qualquer outra coisa que tenta se preservar diante das predações capitalistas e autoritárias.
Gabriel Ribeiro
À Margem
Liberdade
Reflexões anarquistas sobre a sociedade descentralizada.
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