Anarquismo, Crítica e Autocrítica: primitivismo, individualismo, caos, misticismo, comunalismo, internacionalismo, antimilitarismo e democracia”, de Murray Bookchin.

Refleti sobre a crítica de Murray Bookchin ao “anarquismo de estilo de vida” e como o “comunalismo” e “confederalismo democrático” podem realmente transformar a sociedade.

Gabriel Ribeiro

9/9/20247 min read

Saio dessa leitura acreditando ter captado as mensagens que o autor colocou tão bem pautado. Confesso que no começo dessa leitura, estava curioso e de uma certa forma, questionando algumas afirmações de Murray Bookchin a respeito do que o mesmo chamou de “primitivismo”, tendo em vista o tanto de material que venho lendo com a relação aos povos indígenas (daqui das terras de Pindorama – hoje chamado de Brasil), pelo qual várias etnias nativas elaboravam visões de mundo sofisticadas – caça, alimentação, uso do tempo, integração com o meio ambiente, etc. Entretanto no decorrer das páginas – sem julgamento prévio – fui compreendendo melhor a reflexão proposta por Bookchin, sendo uma delas a seguinte: o autor levanta uma questão fundamental quanto ao papel das tecnologias no andamento da sociedade moderna e contemporânea. O anarquista norteamericano, no caso, refuta o discurso de uma parcela da esquerda (muito em referência a dos EUA e da Europa) que “demonizava” o uso de tais tecnologias por parte das colônias, do capital e dos Estados. Mais lá na frente volto com mais detalhes do que compreendi dessa perspectiva de Bookchin.

Seguindo a minha análise sobre este livro, considero muito importante a crítica que Murray Bookchin faz ao que ele chamou de “anarquismo de estilo de vida”. E antes de qualquer coisa, não vou a ter aos autores que o Bookchin tece duras críticas, como por exemplo o Max Stirner, pois não tive ainda a oportunidade de ler o seu livro Único e a Sua Propriedade, por exemplo. A questão é que o autor estadunidense contrapõe ferrenhamente contra a postura política dos “anarquistas individualistas”, por considerar que estes mais ajudam os burgueses a manterem o status quo do que contribuem em algum tipo de questionamento. Bookchin toca em um ponto que ao meu ver dialoga com a dialética de Bakunin, com o sujeito da pólis de Aristóteles, de que a sociedade ela vai caminhando, vai se articulando, interesses vão sendo “disputados”, e que os “anarquistas sociais” não podem deixar que tais objetos em disputa – um assento numa instituição de poder – fiquem sendo determinados por uma classe dominante que não abre mão de pilares que sustentam tais estruturas sociais. É bonito demais ver uma escrita anarquista quando ela não teme a sua honestidade de argumentação. Talvez, seja o momento de mencionar umas das críticas do autor no livro, quando ele questiona o discurso de uma parte da esquerda que não quer colocar em suas pautas, a relevância de se pensar uma sociedade com as tecnologias criadas, pelas quais poderão ser uteis por exemplo, na erradicação do trabalho pesado – o famoso trabalho braçal.

Vale ressaltar que Murray Bookchin se baseia constantemente na realidade dos EUA e no que foi a relação dos povos nativos com o homem branco. Ao que me lembro dessa leitura, o autor menciona que nessas civilizações antigas ou primitivas (nas palavras dele), haviam disputas, manipulações, tentativa de tomada de terras entre os povos e uma “escassez de solucionar problemas” comunitários e com o meio ambiente. Confesso que busquei filtrar tais críticas ao “primitivismo”, pois Pierre Clastres em A Sociedade contra o Estado, demonstra o quão os povos indígenas daqui (Brasil), tinham uma organização administrativa e política altamente sofisticada. Não faltava alimentos, delegações de tarefas eram feitas de acordo com as habilidades de cada membro, economizavam energias do corpo, ficando bastante tempo livre, para que o corpo pudesse ter condições de lutar contra os invasores. Será que os indígenas de lá não tinham tamanha cosmovisão em lidar com o seu entorno?

Não posso deixar de citar que Murray Bookchin reconhece que muitas das tecnologias foram utilizadas (por colonos) para violentar os nativos, suas culturas e seus modos de vida. O autor na verdade defende uma anarquia mais “organizativa”. Que as ações reivindicando melhorias de vida pro trabalhador, sejam guiadas pelas organizações da classe trabalhadora. A mim, ele está falando abertamente da “disputa política” para se pensar a sociedade. Se tem a máquina para produzir em grande escala, para abrir estrada e tudo mais, há de se ter a tecnologia para erradicar a fome, diminuir a jornada de trabalho, por exemplo. Bookchin parece ser bem honesto nessa questão do “fazer política” entre os revolucionários para que as suas vidas não sejam pautadas por aqueles que estão sendo beneficiados materialmente – vulgo a burguesia que detém os meios de produção.

Umas das coisas que me ocorre ponderar nessa crítica do Bookchin ao “anarquismo de estilo de vista” é que nem toda ação “individualista” é necessariamente egoísta ou sem propósito de mudança. Deixa-me melhor explicar aqui o meu ponto da seguinte forma: o autor tece duras críticas aos anarquistas que se autointitulam “livres”, que estão apenas preocupados com o “visual rebelde” de si, que apenas querem participar de suas orgias, de suas manifestações culturais, sem ao menos, tocar no pilar central que sustenta o capitalismo: que é a de questionar todo o seu mapa de atuação – econômico, político, social e ambiental. Portanto o autor afirma que esse tipo de anarquista não faz nem cócegas na estrutura capitalista, pois para ele, essas posturas individualistas de alguns anarquistas, na verdade, mais ajudam os detentores dos meios de produção e o Estado, a reformularem o grande projeto político que mantém a sociedade com essa divisão (desigual) de classes. Bookchin explica o porquê de suas colocações dizendo que os burgueses quando avistam tais manifestações individualistas ou de festivais, como Woodstock, que segundo ele, mais estavam interessados em autoafirmar um estilo de vida do que propor uma sociedade nova ou de tensionar certas disputas sociais. A “contracultura” tão falada pelo norteamericano, não tem um horizonte, algum tipo de organização, que mobilize de fato uma quantidade considerável de trabalhadores, para lutar por suas dignidades.

Este livro traz reflexões interessantes quanto à importância de se estar “organizado”, sobretudo aqueles que se reconhecem enquanto anarquistas ou anticapitalistas. Confesso novamente que em dado momento desse livro me ocorria uma oscilação de compreensão com as proposições de Bookchin. Uma delas é indagar a nós anarquistas ou qualquer um que questiona o capitalismo, se não cabe ao espectro do “anarcoindividualismo” ou do anarquista que vez por ora atua sem de fato estar “organizado”, um papel de certa relevância e com potência para colocar em xeque algum pilar da estrutura dita hegemônica de nossa sociedade? Será que não se pode encontrar um caminho do meio (sem ser neutro ou em cima do muro), entre movimentos sociais, forças sindicais e certos tipos de atuações “pontuais”? Creio haver ter algum diálogo com o conceito que o historiador Luiz Antônio Simas expõe que é a noção de “frestas”, cujo dentro dessa rachadura no meio de uma estrutura, há um espaço livre no qual nenhuma instituição de poder possa atuar ou domesticar. Simas diz que já que estamos em uma sociedade domesticada, que a partir disso, as “culturas de frestas” vão criando seus modos de sociabilidades. Sem fugir do problema, eu concordo plenamente com Bookchin quando ele diz que tudo nessa vida que os trabalhadores, os vulneráveis, conquistaram, foi através de muita luta, batalha, mobilização social, propaganda, organização de base, etc. Aliás o recém citado Simas também afirma que tudo nas cidades é alvo de “disputas.”

Bookchin se atenta para que as esquerdas tomem cuidado para não serem dragadas por um certo tipo de discurso “antiimperialista” que mais reforça a atuação do Estado, que mais centraliza as tomadas de decisões, do que de fato democratiza tais situações. Murray Bookchin defende a noção de “comunalismo” no qual pequenos agricultores, trabalhadores em geral, estejam conectados em rede de atuações políticas entre si e com as demais federações de outras regiões mais distantes. Bookchin chama de “Confederalismo Democrático”, termo que tanto assusta os sociais democratas (estatistas) e o capitalistas, por propor uma descentralização efetiva nas tomadas de decisões que impactarão na vida toda uma população. Um dos objetos proposto neste livro pelo norteamericano anarquista, é a queixa que ele faz ao dizer “a esquerda que se foi”, no sentido de questionar o contexto atual das esquerdas, que mais estão preocupadas em retroalimentar os aparelhos estatais, com profunda carga de controle por parte dos burocratas, que atuam como soldados desse sistema capitalista. Uma crítica bastante pertinente e ainda atual tendo em vista as alianças medonhas que parcela da esquerda partidária efetua com setores reacionários da política institucional. Bookchin levanta um debate necessário para os socialistas libertários e para toda a classe trabalhadora que refuta as condições impostas por oligarcas e agentes do Estado. Em “Anarquismo, Crítica e Autocrítica: primitivismo, individualismo, misticismo, comunalismo, internacionalismo e democracia”, tem um elemento marcante nessas proposições que é o fato de o discurso e a prática revolucionária não perder de vista os objetos de “disputa” que tanto o mercado financeiro e os donos do meio de produção, temem, que é a retomada de terras e territórios por parte da camada de trabalhadores do campo. A crítica à lógica centralizadora nas tomadas de decisões no âmbito do micro e do macro, traz para esta reflexão o quanto o enfrentamento, o engajamento, a busca pela ruptura com esse sistema predatório, é de extrema relevância e urgência. O Internacionalismo também mencionado por Bookchin tem fundamentos e uma eficiência no ponto de vista das articulações entre diversos povos, que estão sofrendo com uma carga de trabalho prejudicial para a saúde de todos e de todas. Na noção de Internacionalismo, a comunicação e os afetos entre várias regiões, soam como exemplos, modelos, e a esperança (do verbo “esperançar”) de que uma nova forma de se colocar no mundo é possível. Mas que para isso é preciso que os trabalhadores e todas essas perspectivas socialistas, sobretudo as anarquistas, pensem e se organizem para encontrar um caminho do “comunalismo” e do “confederalismo democrático” que vão operar com base nos interesses daqueles que de fato estão a produzir alimentos e todas as riquezas materiais

Gabriel Ribeiro
À Margem