A sensibilidade como força: (re)existindo apesar da repressão do patriarcado
Neste texto: A sensibilidade como força: (re)existindo apesar da repressão do patriarcado, exploro a relação entre minha sensibilidade e a resistência ao autoritarismo patriarcal e às narrativas da extrema-direita. Para mim, ser sensível não é fraqueza, mas uma força que enriquece minha percepção do mundo e da minha própria existência. Destaco a importância de reconhecer e valorizar a sensibilidade em todos, independentemente do gênero. Proponho uma reflexão sobre como a autenticidade e a conexão com a ancestralidade podem desafiar estruturas opressoras, promovendo uma vida mais autêntica e corajosa.
Gabriel Ribeiro
9/29/20247 min read
Querem me dizer que ser sensível é sinônimo de “fraqueza” ou como alguns bolsonaristas-protofascistas falam: é mimimi. Eu respiro profundamente, inspiro o ar para limpar os meus pulmões e depois libero-o para seguir o seu fluxo normal. Faço isso para que o meu corpo possa se manter em equilíbrio. O discurso da extrema-direita, assim como há muito tempo fazia qualquer colono, é o de desestabilizar a estrutura emocional daquele outro, que o colonizador-fascista considera um “marginal”, sem o “direito” de viver. Esse que vos escreve busca navegar dentro de sua própria sensibilidade, reconhecendo assim, por uma extensão de percepção, a mediunidade que carrega consigo, e quando isso toma um nível de consciência (aqui entendido como ponto luminoso que surge na psique humana, cujo intensidade e a energia dos pensamento, compreendem uma realidade), ocorre uma força e uma potência, que estimula o fator intransponível que a minha percepção existencial possa captar do que a vida lhe oferece.
Um anarquista ou melhor dizendo, a concepção anarquista que habita em mim, com base na referência prática e teórica do que pode ser o anarquismo, penso que a transparência para elucidar os fatos, tanto abstratas, como concretas, requer de um anarco, muita disposição para puxar de seu coração, a coragem que lhe cabe. E aqui, sem pretensão alguma de se colocar como o “puritano”, sinto que até no meio anarquista, a comprensão da “sensibilidade”, sobretudo masculina, é também tratada com muito desdenho e pouca responsabilidade. Se for falar de uma visão mais ampla das “esquerdas”, o moralismo é enorme com aquele que tem traços (sensíveis) marcantes em suas características – com relação a uma determinada situação. Então, camaradas leitores, não vou me a ter nesse texto, somente da hipocrisia da extrema-direita e de adjacentes, mas abordar esta questão amplamente e com direcionamentos bem demarcados: o quanto o pratriarcado é prejudicial para a sensibilidade alheia, não só das mulheres, mas também dos homens que buscam lidar com aspectos internos sensíveis de seus corpos.
Talvez Freud seja útil de alguma forma, nesse instante, para mencionarmos como a sexualidade reprimida que a figura masculina “machista” produz para si mesmo por conta de um fetiche pela imagem da autoridade patriarcal – aquele que tudo pode e para as mulheres a obediência – e a partir desse recorte, pensarmos o quanto que a repressão sexual contaminou significativamente todo um período de nossa história, do ponto de vista ocidental, digamos assim. Em um artigo meu recente aqui no qual falo da importância daqueles que lutam por um mundo que supere o capitalismo, possa preservar o “aroma da alegria” em si, para não adoecer, e tecendo a conexão com a que proponho agora, creio ser preponderante comprendermos que a toxicidade patriarcal tem dentre outras tantas premissas, a aniquilação da capacidade das mulheres de pensarem os espaços e a relação com os seus semelhantes. Na visão matriarcal, a sensibilidade de envolver todos os membros de seu grupo, nas decisões em como administrar espaço-tempo presentes naquela realidade. O patriarcado, percebe o quanto terá de aterrar as águas nascentes sensíveis de nossa psique, para alavancar o seu grande projeto expansionista, não só de terra e território, mas o de ocupar-se sorrateiramente, no imaginário social, o discurso de que para se tornar um indivíduo “respeitado” e “vencedor”, é preciso abandonar qualquer resquício de sensibilidade existente nas emoções de qualquer pessoa.
Muitas mulheres que coadunam com a lógica machista, por uma influência ideológica (ou não), evidentemente, irão reproduzir esse mesmo discurso autoritário e extremamente ilusório. Sem dúvida é uma das retóricas que a sociedade patriarcal se utiliza para impor um modo padrão de organização social, e para pressionar os rebeldes-sensíveis, que ousam permitirem a existência de suas respectivas sensibilidades diante de diversas situações, sobretudo aquela que “pede” uma compaixão para com a dor do outro, por exemplo. Cansei de observar pessoas próximas, seja de âmbito íntimo ou por aproximidade socio-política, e detectar o peso moralista desses ambientes, com aquele (homem) que concebe a sua sensibilidade como um instrumento de não só conhecer a si próprio, mas também de perceber e se relacionar, como os fatores externos que circundam a sua existência.
A sensibilidade é mais do que um sentimento que o corpo humano possa produzir, ela é como uma ferramenta que a espiritualidade nos fornece, para que possa ser desenvolvida ao longo das relações interperssoais e com os aspectos naturais da Terra, para que a partir desse ponto de partida, ela consiga nos orientar para além daquilo que a razão humana pode compreender. Muitas vezes, pode-se dizer que, a percepção sensitível de um corpo, antecede a nossa consciência. Vale ressaltar que o foco aqui neste artigo não é a de trazer um levante histórico ou cronológico do que é a sensibilidade, mas de pontuar esse aspecto tão importante e presente, que operam em quaquer corpo humano. Para alguns, mais, para outros, a sensibilidade foi soterrada por ilusões políticas e tecnológicas (relações de poder). Max Stiner em O Único e a Propriedade, em termos básicos, como o espírito como produtor de qualquer pensamento. Cada espírito, logo, terá a sua própria singularidade. Na visão holística e oriental, a energia é a base de tudo. Pegando esta última referência, podemos pensar portanto a sensibilidade por uma perspectiva da energia. Conectando tais referências citadas acima, é prudente expor que, se o que penso é fruto de um espírito, e se a energia é a base para toda a existência material e espiritual, a sensibilidade pode ser uma ferramenta energética que habita em nossos corpos. Ela está atrelada evidentemente com a percepção sensorial do corpo humano. A sensibilidade pode ser explicada metaforicamente como um mergulhador, que está em águas profundas, navegando e conhecendo no espaço-tempo, um recorte de sua realidade, e para que ele possa se permanecer protegido de possíveis ataques de predadores, quanto mais profundo o mergulhador estiver, mais detalhes, mais riquezas, ele saberá de si mesmo e como se desvencilhar de uma figura predatória que ronda procurando se alimentar.
Trazendo um recorte do Império Romano, passando pelo clero da Igreja Católica, estendendo-se para regimes feudais, monarquistas, ditaduras, capitalismo, poderio bélico, poder judiciário, oligarquias, neoliberalismo, religiões (absolutistas), como tantas outras formas; a sensibilidade do indivíduo foi aterrada por manipulações, pressões autoritárias, gerando assim verdades absolutas que ecoaram por boa parte da sociedade ocidental (entendido aqui, como Europa e EUA, principalmente). A quem estiver disposto para captar a minha mensagem por uma via empírica, entenderá que ter sensibilidade não requer anular outros polos, como a força, a coragem, a inteligência e a sagacidade. Compreender a própria sensibilidade não significa, necessariamente, pensar as dialéticas da sociedade, por uma ótica do pacifismo. Ser ou estar percebendo, a sua sensibilidade, nada tem a ver com inércia diante das injustiças sociais. A sensibilidade consegue através de uma “pulsão” do coração, detectar aquilo que de fato irá ressoar com a própria existência daquele que pensa, escreve, fala, dança, cria, questiona, dentre outras ações. Tais movimentos corpóreos, percorreram um caminho até chegar às suas respectivas obras, que tinham a sensibilidade-alquímica como um transporte importante para atingir o auge da imaginação-criativa de um arte, de um fazer-cotidiano diferente do que é imposto pelo status quo, etc..
A quem interessa a estratégia em aniquilar as sensibilidades alheias, sobretudo dos oprimidos? Por que o projeto colonial invadiu terras de nativos e ainda tem como um de seus objetivos, efetivar um apagamento histórico das culturas e simbologias dos colonizados? O europeu quando percebeu que ali na região sul do continente africano, a relação da comunidade para com a terra e o território, era a da partilha, de uma administração íntegra com o meio ambiente em que estavam, iniciou-se naquele momento o extenso brutal projeto escravagista. A política européia à época precisava de um “motivo” para marginalizar toda uma cosmovisão dos negros africanos. A superiodade de raça foi só uma retórica covarde para maquiar o real interesse dos europeus que, na verdade, queriam destruir toda a estrutura sociocultural de um povo, para abrir passagem um único modo de vida permitido: o expansionismo mercadológico. Talvez seja um momento adequado para mencionar, mais uma vez, a provocativa indagação que o professor Clayton Rodrigues, realiza em sua tese “Tecnologias de poder e a transformação do Eu”, no qual o autor nos chama para refletirmos sobre essa noção do “eu-natural”, diante das relações exteriores à ela: comunidades, sociedade, discursos, verdades absolutas, morais preestabelecidas, etc.. A tese vai fazendo uma provocação minuciosa e honesta de como estamos sendo moldados há muito tempo na humanidade, e aqueles temperos que forjam uma singularidade humana: uma ideia-percepção espontânea do que s observa do externo, o “espírito próprio” de cada um, vão sendo soterrados por uma armadilha do pertencimento: o tal “eu-social”. Ou seja, vamos deixando ao longo do tempo, a lógica societária, a propaganda patriarcal-feudal-capitalista, de explorar aspectos sensíveis de nossa sensibilidade, para que fosse mais fácil a obediêncial de toda uma população.
Eu adoro sentir o cheiro daquilo que me dê prazer, daquilo que me remeta a algo agradável, sentir o “aroma da alegria”(tema de um artigo meu) e seguir adiante – com cautela, é verdade – mas sem perder a calibragem do faro, de avançar com coragem aquilo que a minha psique possa perceber das realidades que me envolvem. E a partir desse ponto de vista, as anarquias que escorrem por minhas células orgânicas, sente-percebe, o quão uma vida anarquista ou, uma vida cujas faculdades psicocorporais sejam abastecidas de muita autonomia, acredito que, se tratando de Brasil, essa grande jornada chamada de vida, encontre as pontes sofisticadas tão bem cultuadas e preservadas por saberes e cosmovisão, indígenas e pela matriz africana.
O samba diz “nem tudo que é bom vem de fora”, é uma bela verdade, e não contradizer dizer: nem tudo que vem de fora devemos acatar, entretanto, tem coisa que vem de fora que podemos agregar àquilo que as profundezas de nosso ser, indica fazer. O espírito de um guerreiro e de uma guerreira, em nossa contemporaneidade, se abrir mão de suas sensibilidades, perderá aquela conexão e as raízes com toda uma ancestralidade. Não falo, somente pelo olhar de um macumbeiro. Falo por uma perspectiva bem ampla, inclusive daqules que lutaram sem perder a ternura.
Me permitam dizer o sopro que recebo nesse instante, que vem da “moça da rua” (laroyê!): a estrutura patriarcal precisa sentir a doce língua na orelha para a mão autoritária do machismo veja a cor vermelha do sangue pinga de sua orelha, pois como um corpo rebelde há de fazer e ser: sensível como uma navalha. A tirania colonial ficará com medo. Pensarão que é um ato pela violência. Estão enganados. Porque através de nossa percepção sensível de mundo, podemos criar o que quisermos. Propor o debate que considerarmos relevantes. Fazer as associações como numa encruzilhada, que um capoeirista estenda a mão para um devir deleuziano, e com a outra, acena para um anarquismo corajoso e pela ruptura de toda autoridade absolutista.
Que ninguém meta a mão em nossa sensibilidade sem sentir o contragolpe que toda tirania precisa receber.
Gabriel Ribeiro
À Margem
Liberdade
Reflexões anarquistas sobre a sociedade descentralizada.
Conexão
Resistência
amargem.canal@gmail.com